8 de maio de 2012

Republicans, Get In My Vagina




Tradução do texto “10 Reasons the Rest of the World Thinks the U.S. Is Nuts” por Soraya Chemaly. Publicado no site Huffington Post em 15 de março de 2012.

Nesta semana a assembléia legislativa da Georgia debateu um projeto de lei que tornaria necessário, para algumas mulheres, carregarem fetos mortos ou que estejam morrendo até que elas “naturalmente” entrem em trabalho de parto. Ao argumentar a favor do projeto, o deputado Terry England descreveu a sua empatia por vacas e porcas prenhas na mesma situação.

Soraya Chemaly - Twitter: @schemaly

Eu tenho uma pergunta para Terry England, Sam Brownback, Rick Santorum, Rick Perry e muitos outros: eu tenho três filhas, duas delas gêmeas. Se uma das minhas gêmeas tivesse morrido no útero os senhores me obrigariam a carregá-la até o parto, colocando em perigo, dessa forma, tanto a outra gêmea quanto a mim? Ou os senhores teriam insistido que o Estado ordenasse uma extração obrigatória do feto da gêmea viva para que eu pudesse continuar carregando o feto morto e possivelmente acabar morrendo também? Minha família está curiosa e, já que os senhores acham que meu útero é propriedade pública, eu também.

Sr. England, ao contrário de bezerros e porcos pelos quais o senhor expressou tanta empatia, eu não sou um burro de carga. Eu sou uma mulher e eu tenho os seguintes direitos humanos:
O direito à vida
O direito à privacidade
O direito à liberdade
O direito à integridade corporal
O direito de decidir quando e como me reproduzir

Sr. England, o senhor e seus amigos não podem negociar esses direitos, enquanto “caçam cachorros e javalis”, em troca das galinhas de um rapaz.
Meus direitos humanos valem mais do que o senhor e o estado corruptamente e cinicamente querem designar para uma massa de células em divisão que irá eventualmente se tornar uma pessoa “natural”. Leis baseadas em personalidade civil para zigotos e legislações relacionadas, como essa da Georgia e centenas de outras, projetos e leis que criminalizam gravidez e aborto e penalizam mulheres por serem mulheres violam meus direitos humanos.
Só porque o senhor não pode engravidar, não quer dizer que eu não possa pensar claramente, eticamente, moralmente, racionalmente sobre o meu corpo, a vida humana ou as consequências dos meus atos. Só porque o senhor não pode engravidar não quer dizer que eu não tenha direitos quando eu estou grávida. Eu tenho responsabilidade, mas não tenho poder. O senhor tem poder, mas é irresponsável com os meus direitos.
Ao não confiar em mim, o senhor me obriga a confiar no senhor. E o SENHOR não é digno de confiança.
Eu gero humanos, o senhor, não. Eu sei como é estar grávida. O senhor não. Eu sei o que acontece com um feto no ventre. O senhor não. Eu carreguei três fetos até o final. O senhor não. O que eu vivencio quando eu estou grávida não é empatia. É permeabilidade. O feto sou eu. E o estado é o senhor, aparentemente. Mas não importa o que o senhor diga ou faça, eu tenho direitos humanos fundamentais. O que faz você pensar que o senhor, que não pode passar por essa experiência humana, pode me dizer o que quer que seja sobre gestação ou como eu a vivencio? Especialmente quando o senhor compara a minha existência e experiência com a de animais brutos.
O restante do mundo civilizado pensa que este país perdeu a cabeça. Não é de se espantar. Veja esta lista de misoginia descontrolada.

1. Obrigar mulheres a carregarem fetos mortos até o final da gravidez porque vacas e porcas o fazem. Nesta semana, Sr. England, o senhor apoiou um projeto cujo balanço final, em conjunto com outras restrições, resultará em médic@s e mulheres tornarem-se incapazes de tomar decisões privadas e com base médica sobre tratamentos intensivos e algumas mulheres serão efetivamente forçadas a carregarem seus fetos mortos ou que estejam morrendo. Mulheres são diferentes de animais, Sr. England, e esse projeto, exigindo que mulheres carreguem fetos mortos ou que estejam morrendo é desumano e antiético. Ao forçar uma mulher a fazê-lo o senhor está violando o direito dela de não ser submetida à tortura e tratamento desumano. E, sim, carregar um feto humano até o fim involuntariamente, embora não seja tortura para o senhor ou para uma porca, é tortura para uma mulher. É também violação da sua integridade corporal e uma ameaça à sua vida e, dessa forma, viola seu direito à vida.

2. Condenar mulheres à morte para salvar um feto. Abortos salvam vidas de mulheres. Projetos de lei “deixem as mulheres morrerem” estão sendo propostos em todo o país. Não há uma forma simples ou bonita de dizer isso. Todo dia, em todo o mundo, mulheres morrem porque elas não têm acesso a aborto seguro. Ainda assim, aqui estamos nós, voltando à idade das trevas do sacrifício materno. Eu realmente tenho que escrever esta sentença: isso é uma violação do direito fundamental das mulheres à vida.

3. Criminalizar a gravidez e abortos espontâneos e prender, aprisionar e acusar mulheres que sofrem abortos espontâneos por assassinato, como Rennie Gibbs no Mississippi ou pelo menos outros 40 casos similares no Alabama, ou como Bei Bei Shuai, uma mulher que agora está presa, acusada de assassinato por ter tentado o suicídio quando estava grávida. Mulheres grávidas têm se tornado uma classe especial, objeto de leis “especiais” que infringem os direitos fundamentais das mulheres.

4. Forçar mulheres a se submeterem à penetração vaginal involuntária (também conhecido como estupro) com um transdutor de ultrassom de 15 a 20 cm coberto com uma camisinha. A Pennsylvania está atualmente considerando essa opção, junto com outros 11 estados. Ultrassons transvaginais feitos sem o consentimento da mulher é estupro de acordo com a definição legal da palavra. Isso viola a integridade corporal da mulher e é também tortura quando usado, como os estados sugerem, como uma forma de controle e opressão. Mulheres têm o direito de não serem estupradas pelo estado.

5. Causar invalidez em mulheres ou sacrificar as suas vidas ao negar tratamento médico ou forçá-las a se submeterem a procedimentos médicos involuntários. Nós impomos às mulheres uma obrigação desigual de sacrificar sua integridade corporal em nome de outros. Por exemplo, como em Tysiac v. Poland, no qual uma mãe de duas crianças ficou cega porque um médico se recusou a realizar o aborto que ela queria e que teria interrompido o curso de uma doença ocular degenerativa. Se o meu recém-nascido precisar de um rim e o senhor tiver um extra compatível, eu posso decretar uma legislação que diz que o estado pode tirar o seu e dar à criança? Não. Nós não forçamos pessoas a doar seus órgãos para beneficiar outras pessoas, mesmo aquelas que já nasceram. Um dos direitos humanos mais fundamentais é que humanos sejam tratados igualmente perante a lei. Negar esse direito a uma mulher é uma violação do seu igual direito a essa proteção.

6. Dar direitos de “personalidade civil” para zigotos ao mesmo tempo em que privam sistematicamente as mulheres de seus direitos fundamentais. Há muita coisa a dizer sobre os perigos de ideias de personalidade civil invadindo políticas de saúde para fazê-lo aqui. Mas, pense no que acontece com uma mulher cujo ventre não for considerado o “melhor” ambiente para um feto em gestação em um mundo de legislações de “personalidade civil” para zigotos: quem decide qual é o melhor ambiente – o estado, o plano de saúde, o empregador, o estuprador que decide que quer muito se tornar um pai? Qualquer um, menos a mulher.

7 – Inibir, humilhar e punir mulheres por suas decisões de fazer um aborto por qualquer razão ao cobrar taxas especiais para abortos, incluindo abortos requeridos por vítimas de estupro para terminar sua inseminação involuntária, impor exigências restritivas como um período de 24 horas de espera e autorizar médic@s a mentirem para pacientes mulheres sobre seus fetos a fim de evitar processos. No Arizona, Kansas, Texas, Virginia, Colorado, Arkansas e outros estados em todo o país, projetos de leis que fazem mulheres “pagarem” por suas escolhas são abundantes.

8. Permitir que empregadores invadam a vida pessoal de mulheres e apenas paguem o seguro-saúde quando eles não se opuserem, por razões religiosas, com o método escolhido por elas de controle de natalidade. No Arizona, que implantou uma lei dessas esta semana, isso significa cobrir o pagamento de anticoncepcionais apenas como benefício para mulheres que tenham provado que não irão usá-lo para controlar a própria reprodução (por exemplo: como controle de natalidade). Embora eu esteja muito preocupada com mulheres e famílias no Arizona, eu estou mais preocupada com aquelas no Alabama. Veja só, como revelado recentemente em uma enquete pública no Alabama, evangélicos conservadores que apoiam a “personalidade civil” relacionada à legislação “pró-vida” estão lutando por sua “liberdade religiosa” – 21% pensam que casamento inter-racial deveria ser ilegal. Então, se eles decidirem que um empregado envolvido em um casamento inter-racial não pode, por mandamento divino, reproduzir? Eles invertem e fornecem controle de natalidade para esse empregado? Eles tornam a contracepção um contrato de emprego necessário para pessoas em um casamento inter-racial? Isso viola o direito das mulheres à privacidade. Meu útero é um milhão de vezes mais privado que os seus quartos, senhores.

9. Sacrificar toda a saúde de mulheres e o bem-estar de suas famílias para impedi-las de exercer seu direito fundamental de controlar o próprio corpo e reprodução. O Texas fez exatamente isso quando cortou 35 milhões de dólares de fundos federais, garantindo, dessa forma, que 300.000 texanas de baixa renda e sem seguro tenham nenhum acesso ou acesso reduzido a cuidados básicos de prevenção e reprodução.

10. Privar as mulheres de sua “habilidade de ganhar a vida” e sustentar a si mesmas e suas famílias. Projetos como esse no Arizona permitem que empregadores demitam mulheres que usem contracepção. Mulheres, como estas aqui, estão sendo demitidas por não usarem.

Os senhores ousam condenar as minhas e as suas filhas a servirem como animais reprodutivos.

Isto é sobre sexo e propriedade, não vida e moralidade. Sexo porque quando mulheres fazem sexo e querem controlar a própria reprodução, isso ameaça estruturas sociais poderosas que se apoiam no controle e acesso patriarcal sobre as mulheres como máquinas reprodutivas. O que nos leva à propriedade: controle da reprodução era vital quando aconteceu a revolução agrícola e nós, como espécie, paramos de viver como nômades atrás de comida. A reprodução e seu controle garantiram que o homem pudesse adquirir e consolidar riqueza — habitação e comida — produzindo terra e depois garantindo que esta não fosse desagregada, transmitindo-a para um filho que ele sabia que era dele — principalmente ao reivindicar a mulher e sua capacidade gestacional como propriedade também.

Isto não é sobre liberdade religiosa. Se fosse, nós permitiríamos, por exemplo, que cientistas cristãos se recusassem a pagar pela cobertura de transfusões de sangue para salvar a vida de empregados. Liberdade religiosa significa que eu posso escolher se eu quero ou não ser religiosa e, caso escolha ser, como. Isso não significa que eu posso impor a minha religião a outras pessoas. Pagar pelo seguro é uma forma como nós compensamos @s empregad@s, mesmo quando eles e elas usam o seguro de formas com as quais nós não concordamos e que estão em contradição com nossas crenças pessoais. Eu penso que é estúpido, perigoso e imoral fumar um cigarro atrás do outro, principalmente perto de crianças cujos pulmões o fumo irreparavelmente prejudica. Mas eu ainda tenho que pagar para que um empregado ou uma empregada tenha acesso a exames de pulmão, adesivos de nicotina e tanques de oxigênio. Eu não posso dizer que minhas crenças religiosas, que incluem manter os corpos os mais saudáveis possíveis, me permitem reter o pagamento do seguro de empregad@s. Cobertura garantida de contracepção e cuidado com saúde reprodutiva têm enormes benefícios para a sociedade, incluindo redução de gravidezes indesejadas e abortos. Ao inserir as suas crenças religiosas tão flagrantemente na legislação governamental e na minha vida, os senhores estão me impondo as suas crenças religiosas. Os senhores não gostam de cobertura de seguro obrigatória para saúde reprodutiva básica para humanos com dois cromossomos X? Eu não gosto de me reproduzir por coerção do estado como os animais da fazenda do Sr. England. Eu tenho uma OBJEÇÃO MORAL a ser tratada como um animal e não um ser humano. Os senhores não têm que usar contracepção, os senhores não têm que usar o controle de natalidade. Mas, isso não significa que os senhores têm o direito de me dizer que eu não posso usar se eu assim o escolher. Este é meu direito.

Propriedade, controle, sexo, reprodução, moralidade, definir o que é humano. Soa muito como assuntos envolvendo escravidão 170 anos atrás. Não é nenhuma surpresa que dos 16 estados que nunca repeliram suas leis anti-miscigenação, mas, ao contrário, as tiveram revogadas pela Suprema Corte em 1967, mais da metade introduziu projetos de “personalidade civil”. Assim como leis anti-miscigenação, leis anti-escolha e projetos que humilham mulheres, que as tratam como animais, que violam sua autonomia corporal, são baseadas em ignorância, direito de posse e arrogância. Essas leis não são sobre “personalidade civil”, mas “humanidade”. Que mulheres negras são massiva e desproporcionalmente afetadas por essas invasões a seus corpos e direitos também não deveria ser surpresa – seus direitos e seus corpos sempre foram os mais vulneráveis a invasões.

Isto é sobre manter os úteros das mulheres públicos e sob o controle de outras pessoas – o exato oposto de privado e sob o controle delas mesmas.

E sim, eu sei o quão complicado são a ética, a bioética e os argumentos legais relacionados a essas decisões. Os senhores, aparentemente, não. Se os senhores estivessem realmente preocupados em salvar vidas e melhorar a sua qualidade ou em proteger crianças inocentes, os senhores começariam tendo compaixão e empatia pelos vivos, pessoas nascidas que requerem e merecem a sua atenção. Os senhores deveriam alimentá-las, educa-las, tirá-las da pobreza e miséria. Os senhores não deveriam misturar esses assuntos da forma que estão fazendo, com interpretações distorcidas da vontade divina. Apenas após fazer isso os senhores terão legitimidade moral para pensar em falar para mim sobre o meu útero e o que eu faço com ele. Até lá, úteros artificiais inteiramente funcionais deverão estar disponíveis e os senhores poderão implantar o seu próprio útero, já que os senhores são tão afeiçoados a analogias com animais, da mesma forma em que foi feito com esse rato macho. O que os senhores estão fazendo é vergonhoso, hipócrita e moralmente corrupto.

E não, eu não estou louca. Eu estou brava.

Sr. Santorum, Sr. England e Sr. Brownback e Sr. Perry, os senhores deveriam considerar não se apegar tão perigosa e perversamente a ideias da revolução agrícola. Controle de natalidade e abortos seguros são tecnologias que salvam vidas. Essas leis e projetos arcaicos, que desperdiçam tempo, dinheiro e vidas, e que obscurecem uma verdade permanente e imutável: planejamento familiar seguro e efetivo é a justiça social transformadora conquistada no século 20. Eles não irão embora. Essa é uma revolução também.

Em um discurso de 1851, no qual argumentou por direitos iguais para as mulheres, Sojourner Truth disse o seguinte: “Os pobres homens parecem estar todos confusos e não sabem o que fazer. Por que, crianças, se vocês têm os direitos das mulheres, deem-nos a elas e irão se sentir melhor. Vocês terão seus próprios direitos e eles não serão um grande problema”.

Os senhores, Terry England, Sam Brownback, Rick Santorum e amigos sequer sabem quem foi Sojourner Truth?

A tradução deste post contou com a ajuda providencial de Karla Avanço.
Fonte: Blogueiras Feministas